16 de setembro de 2016

Dia 3: Go West!

Finalmente saio da civilização do betão. Chega enfim a open road, a estrada sem fim que se perde da vista nos confins de um horizonte que nunca chega. O que eu amo a estrada solitária. Saio da Missão com a alma lavada e entrego-me à estrada que me lava os olhos e me enche a mente com pensamentos de tudo e de nada, pensamentos simples e tão vastos como a estrada.
 A Interstate 90 segue para Oeste, sempre para Oeste, cada vez mais para o Oeste onde me quero ir perder na imensidão texana. Entre San Antonio e Alpine, onde vou dormir, são 600 e tal quilómetros mas o que importa a distância quando se está no Texas e nada é perto de nada. Páro para atestar o depósito num sítio perdido chamado Del Rio. Perguntam-se de onde venho porque o sotaque me denuncia:
- Portugal, in Europe.
Pasmo, pasmada quando me dão os parabéns.
- What for? - pergunto.
Porque Portugal é Campeão Europeu. O meu cérebro só tenta computar como é que no fim do fim do mundo texano alguém sabe que Portugal é campeão de futebol da Europa. Mais à frente haverá uma Border Patrol (coisa comum no sul do Texas) que me faz parar e mostrar o passaporte. Os guardas fronteiriços lêem Portugal e segue-se nova onda de parabéns à conta do campeonato. Quem diria? Pasma continuo.
Mas depois do interlúdio é voltar à estrada e às rectas sem fim, a estrada fácil de seguir no GPS porque não tem nada que saber: é andar, andar e depois virar até ao destino que espera por detrás do sol posto.

14 de setembro de 2016

Dia 3: A Missão

Depois do The Alamo, a outra grande atracção de San Antonio é a Mission San José, simultaneamente, uma das poucas denominações UNESCO nos Estados Unidos e das mais poucas ainda que não são paisagens naturais. Sempre tive um natural fascínio por missões, relatos de missionários e sempre me causou admiração a entrega voluntária dos Homens ao espírito missionário. Amo rever The Mission (1986) com uns jovens e supremamente talentosos Jeremy Irons e Robert De Niro e não é à toa que, academicamente, as minhas teses têm envolvido pesquisa sobre o trabalho de David Livingstone, esse paradigma da missionação em África. Contudo, confesso que não ia com nenhum particular desejo de encanto. Estava em San Antonio e, por estar em San Antonio, o que qualquer viajante faz é ir ao Alamo e à Missão e eu sou uma comum viajante sem ganas obcecadas de ser diferente. Fui.
Ainda bem. Ao contrário do Alamo, a Mission San José é relativamente desinvadida por turistas. É um espaço de silêncio feito de cigarras e calor, um oásis tranquilo. Detenho-me horas na Missão. Parece que nem o espaço me quer deixar ir embora nem eu tenho o instinto de partir. Vejo o pároco. Rezo. Recolho-me. Agradeço. Agradeço o que tenho e o que me permite estar ali. Percebo a atribuição UNESCO tão merecida. Sei que a minha viagem será inolvidável. Ganho essa certeza ali na Missão sei saber bem porquê que a ganho. Algo se me passou ali. Pelos momento que ali estou sou a pessoa mais feliz que alguma vez foi feliz. O instante breve da felicidade é a maior felicidade. Simples. Desempecilhada. Total.
O que levo na memória da minha passagem pela Mission San José? A felicidade dos momentos em que o que nos transcende nos invade plenamente. Amén!

11 de setembro de 2016

Dia 3: Remember the Alamo

Em San Antonio há que ir ao Alamo tentar perceber o porquê desse mito no imaginário americano. Não era coisa que me interessasse sobremaneira. Não me diz muito o fanatismo do The Alamo mas percebo o dirá aos americanos. O Alamo é a corporização do espírito da América, a derrota que se faz vitória moral, a reescrita da História para glorificar e criar heróis. A cada passo que dou por aquele espaço de sacralizações em nome do sonho de criação de um país, parece que oiço o mantra que erigiu a América. "Never surrender. Never give up". É isso que é o Alamo, o epicentro cosmogónico da América.
Hoje, não passa de uma atracção turística, um circo onde convivem profetas dos últimos dias que nos pedem o abandono do capitalismo, do consumismo e da cupidez, hordas de turistas como eu para quem o Alamo é uma mera curiosidade e americanos em busca das origens, das selfies e da parafernália de souvenirs de fancaria que dizem que "eu estive no Alamo!". Também eu trouxe um pechisbeque qualquer que diz que "Eu estive no Alamo!".
No final, tive a mesma impressão que há anos me causou a Estátua da Liberdade: o espaço mítico há muito que deixou de existir para ser substituído pelo espaço turístico. Vi, está visto é a infeliz sensação que levo daqui.

8 de setembro de 2016

Dia 2: E o que é que se faz em Gruene, Texas?

É claro que em Gruene se vai ao Gruene Hall dançar em linha (com as botas e chapéu de cowboy apropriados) e experimentar o que é um típico saloon do Texas sem ar condicionado (sim, sem ar condicionado!) e chão de tábuas de madeira que já viram muitas esporas, muito pó e muito uso. E óbvio, ouve-se country. E canta-se enquanto se espera no jardim do Gristmill que escrevam o nosso nome numa ardósia a dizer que a nossa mesa está pronta.
Depois, bem depois comem-se as buffalo wings mais picantes da minha vida, sheesh!

6 de setembro de 2016

Dia 2. New Braunfels/Gruene

Quando, o ano passado, entrei no Texas pela Interstate 10, vinda do Louisiana, parei num daqueles visitors' centers que existem num e noutro lados das fronteiras estaduais. Deram-me um mapa gigante do Texas (o que é que não é grande no Texas?) onde puseram círculos à volta dos sítios onde achavam que eu devia ir.
"And where do I go for country music?" - perguntei, é que isto de ir ao Texas e não ouvir country ao vivo é vir a Lisboa e não querer saber de fado: acontece mas não é the real thing.
"Gree-ene. Pronounced Gree-ene", insistiu a senhora que me atendeu num sotaque texano que enrola cada letra.
"Ah, Gruene!" - exclamei quando os meus olhos leram o escrito no mapa.
"Yah, Gree-ene! It's German for green" - respondeu, como se eu não soubesse que Gruene só podia ser a anglicização de "grün", de facto, "verde" na minha língua de origem.
Fiquei com Gruene debaixo de olho para o ano seguinte que é este. E Gruene fica na parte alemã do Texas. É uma espécie de bairro histórico, e já perfeitamente adaptado a turista, de New Braunfels.
O orgulho da herança alemã está por todo o lado e na mansão mais icónica de Gruene, a Gruene Mansion Inn (nas fotos acima), ainda se dá as boas vindas aos forasteiros em alemão. E, claro, toda a gente que se me apareceu à frente diz ser descendente das quinze famílias alemãs que fundaram Gruene.
"Wow, you don't say?!" - replico para os fazer felizes e enquanto acrescento: "I'm German-born. I guess we're practically related!" E a noite seguirá animada por entre a germanidade já completamente americanizada.


4 de setembro de 2016

Dia 2: Fazer-se à estrada

O ano passado, ao fim de três dias em Miami estava inquieta e morta por me fazer à estrada. Há qualquer coisa de libertador na perspectiva da estrada aberta sem destino fixo. Este ano não me detenho em Houston mais do que as horas estritamente necessárias a dormir e acordar. Quero desaparecer da civilização e da cidade grande. À estrada! E ao grande espaço aberto americano!
Há uma tempestade furiosa à saída de Houston (mal sei eu o que são tempestades furiosas, saberei mais tarde...). O calor abrasador nos seus quarenta e tal graus cede à chuva pesada do aguaceiro forte que cai como se vomitasse água. Vejo trucks e motards recolhidos debaixo de viadutos vestindo impermeáveis ou cobrindo com plásticos os pertences e mercadorias nas caixas abertas das carrinhas. Percorre-me a adrenalina boa que me diz aos ouvidos "Estás na América!". O medo da estrada cheia de água não se compara ao entusiasmo de que é na estrada que estou e é na estrada que quero estar.
E, de repente, a tormenta foi-se e a estrada segue sob o sol e o calor do imenso Texas como se não tivesse havido um interregno molhado e cinzento. Sol, chuva e estrada. Inspiro e sigo e vejo o tudo que há para ver.


2 de setembro de 2016

Dia 2: Amanhecer em Houston

Amanheço num hotel de aeroporto à beira da estrada. Nunca fiquei num hotel de aeroporto mas a viagem era uma estafa e eu já conheço Houston o suficiente para saber das distâncias insanas e do trânsito de final de tarde. Não estava para chegar e atravessar a cidade-monstra cansada de avião e tonta de jetlag. Perto do aeroporto era só o que queria. Fiquei num daqueles hotéis de cadeia, iguais em todo o lado. Cumprem a função. Este dá-me o descanso do pós-estafa. Acordo na boa-disposição de que entrei em modo American way of life. Tomo o pequeno-almoço na consciência da multi-etnia que me rodeia. A americanidade é isto, o hotel de beira de estrada, feito para um sociedade erigida sobre o motor e as quatro rodas, as gentes vestidas de hiper-informalidade e a etnicidade plural. Antecipo os dias felizes que me aguardam. Bebo o café deslavado que me sabe a América e me traz memórias passadas e futuras de um país que me deixa feliz. Serei feliz.