27 de janeiro de 2016

O meu amigo morreu (1929-2016)

Morreu-me quem tão bom me foi. Salvou-me e levarei essa gratidão quando, por minha vez, morrer.
Tinha 78 anos quando decidiu patrocinar o meu inclemente divórcio. Durante quatro anos instruiu dois processos, deu-me a voz que a justiça me amordaçava, representou-me, nunca me deixou só e, sobretudo, nunca cedeu e nunca teve medo. Chorei muitas vezes ao pé dele, apunhalada que estava pela justiça, refém que estava de gente má. Dava-me coragem e dele aprendi que uma coisa é a Justiça, outra o Direito e que uma e outro nem sempre se encontram porque uma e outra são coisas diferentes.
Era agreste, temível e temido. Não era o tipo de homem que gera simpatias e amizades fáceis. Ouvi dizer dele que era espinhoso e impossível. Acredito. Mas para mim era mel. Vinha trazer-me carradas de lenha a casa com medo que eu passasse frio. Trazia-me queijo e cerejas e pão da sua quinta nortenha com medo que eu passasse fome. Dizia para me distrair que era muito nova. Queria-me acompanhada porque lhe doía que estivesse só. Dava-me o interior do passeio como um cavalheiro. Mesmo que eu o convidasse era ele que pagava porque jamais admitira que uma senhora pagasse fosse o que fosse ao pé dele e eu não seria excepção por muito nova e moderna que fosse. Falava o Português antigo que eu sempre ouvi da minha Mãe e que não ouvi muito tempo porque dela não foram longos os anos. Era meu amigo.
Quando fez 82 disse-lhe que não podia mais pedir-lhe o esforço de me patrocinar, que não era justo, que eu não lhe podia fazer aquilo e fazê-lo continuar a passar por aquilo. Recusou. Ajoelhei-me à frente dele no gabinete e implorei que me me deixasse libertá-lo daquele fardo. Recusou mas aceitou só para não me ver implorar. A contra-gosto assinou os papéis que me faziam transitar de advogado e disse que estaria ali a zelar por mim e pelos meus interesses. Pedi-lhe a conta dos honorários e recusou, que não saberia o que me levar e que não havia conta nenhuma a ajustar.
Três anos depois, o meu infame divórcio concretizou-se, a meu favor como ele vaticinara e como ele preparara. Devo-lhe a liberdade. A felicidade em que hoje vivo devo-lha.
Era e foi e será sempre no meu coração meu amigo. Meu bom e querido amigo...

Descanse em paz, Dr. Eduardo. Descanse em paz.

2 comentários:

Ältere Leute disse...

Compreendo ! Quero acreditar que o Dr.Eduardo ainda tenha vivido em pleno a vossa/nossa alegria !

Dalma disse...

Que fazer quando se perde alguém que amamos ou apenas estimamos profundamente? Apenas guardar a sua lembrança nos nossos corações!