30 de março de 2015

Sem a memória física

Caminho por Lisboa numa peregrinação insana por espaços que não frequento: centros comerciais, megastores, lojas de gentes a comprar gadgets e coisas que para mim são futilidades tecnológicas que me fazem confusão e me dão stress. O meu telemóvel morreu e com ele o cartão de memória, o chip, o whatever onde eu tinha pedaços de vida.
Em nenhum dos empórios da tecnologia me conseguem salvar os dados. Somos tão século XXI e tão primitivos que dados perdidos não se conseguem recuperar. Tem momentos que penso que talvez seja melhor assim, começar do zero para dar o tom do momento de recomeço que atravessa a minha vida neste momento. Que se danem os contactos, penso por uns momentos de clarividência. Sim, que se danem. Os contactos profissionais recuperarm-se, lentamente, mas recuperam-se. Os pessoais, recuperar-se-ão os que realmente interessam, quem nos quer falar, falar-nos-á quando estranhar o silêncio, ou falar-nos-á porque nos quer falar.
Mas depois estanco. E as mensagens que guardei e que venho guardando mesmo quando mudo de aparelho? As mensagens que dizem de mim e me fazem também num pedaço de mim. Os "I love you" e os "I miss you", banalidades que me permitem morrer sabendo que as vivi? As mensagens que troquei em cada dia em que os meus sobrinhos nasceram, as horas exactas em que o mundo para lá do hospital soube que eles nasceram. Memórias aprisionadas num cartão, visíveis num ecrã, tangíveis fora da minha mente. A mensagem às três da manhã quando me disseram que eu tinha feito um algo que ainda não verbalizava como algo. Parabéns por coisas que me deixaram feliz e as vezes em que as palavras me deram vida e força e me impulsionaram a chegar aqui.
A confiança estúpida num cartão perecível. A idiotice ingénua e parva de confiar que estejamos tão evoluídos. Perdi todas aquelas palavras. Não me interessam muito as fotos, as imagens, mas as palavras... As palavras são tão mais etéreas que as imagens, tão mais fáceis de esquecer e de recordar. Palavras...
Enfim, hoje apelo à racionalidade de que fica na memória o que tem de ficar na memória mas eu preferia que as palavras, aquelas, não se tivessem perdido. Sinto-me como a Karen Blixen quando o Finch-Hatton diz não perceber o apego que ela tem a coisas, às coisas dela. E ela responde o que é que de mal tem em se querer preservar as coisas? Sim, sou primária a esse ponto e oscilo entre querer deixar de sê-lo e querer continuar a sê-lo.

Raios partam!

2 comentários:

Ältere Leute disse...

...werde ich mich melden !

A.B. disse...

Faça backups. É tão simples como isso.