30 de setembro de 2012

Passeio por aqui

 Vou subir à capela empoleirada no alto do monte bem por trás da minha casa. Tão perto e tão longe. Fui lá uma vez nos meus doze, treze anos. Caçava borboletas para a colecção e os matos do monte abrigavam espécies de asas grnades e coloridas que não s eviam cá em baixo. Depois veio a vida. As outras lonjuras, as costas voltadas para tudo isto. E agora só resto eu aqui. Morremos e partimos de vez. Eu fiquei só porque sim, porque alguém tinha de o fazer, ou porque eu pensei que alguém tinha de o fazer. Hoje voltei a subir lá acima. A vila agigantou-se lá em baixo.  
Há casas dispersas nos campos e muitos ao abandono. Mas ainda há coisas de que me lembro. Os cactos selvagens cheios de figos, as vinhas, os restolhos das searas. Como as últimas amoras da estação, lavadas pelas chuvas dos últimos dias, maduras de Outono. E passo pelas quintas, os cães que me labram pela intromissão nos seus espaços de guarda. Há tinas acabadas de vir das vindimas. Ando e ando. Não verbalizo passados mas vejo-os ante os olhos. Tempos outros de cujos futuros eu nada sabia e hoje sou o futuro.
Sim, tão perto e tão infinitamente longe. Gostei tanto do passeio por estes espaços perto, no sol morno e brisa suave. Aqui da janela da biblioteca que já foi do Pai e agora é minha vejo a capela no cimo do monte. Recortada no céu azul num contraste que conheço de cor. Engraçado pensar que subi lá ainda agora. Pode ser que lá volte em breve. Afinal, eu fiquei...

27 de setembro de 2012

A casa do cãozinho branco

Se dúvidas ainda houvesse que a minha casa é a casa do cãozinho branco, dissiparam-se de uma vez. Precisei de uma pessoa nova para me tratar do jardim. Corri contactos por aqui e por ali até conseguir quem me desse um número de telefone. Ligo. Atendem-me. Digo ao que venho. Explico onde é a minha casa e quem sou:
- Ah, a senhora loura da casa do cãozinho branco!
Se eu soubesse tinha mas era pedido ao meu cão o contacto de um jardineiro. Pelos vistos, ele conhece este mundo e o outro.

26 de setembro de 2012

O meu problema com o Outono

Eu até gosto do Outono. Palavra que sim. A claridade límpida que não ofusca. O calor que não mortifica. A chuva que ainda não está gelada e o vento que não corta. O meu problema com o Outono é que diz que vem aí o Inverno. É ser cedo demais para lençóis de flanela e frio demais para algodões. O meu problema com o Outono é ser um tempo de saudades intermédias do Verão que passou e de antecipações do Inverno que se quer ao longe.

23 de setembro de 2012

Vindimas

Anoitece enquanto vejo as tinas despejarem as uvas vindimadas na adega. Uma atrás de outra largam cachos azulados que se espremem num líquido roxo. Longe vão os tempo das filas de tractores que esperavam vez até às duas da manhã e a adega sempre aberta. Era a laboração e eu associava a palavra a dias quentes e gente nas vinhas. Também vindimávamos. Cacho a cacho. Ganhávamos prémios. Nas vindimas havia gente e uma espécie de união colectiva de vocabulário igual e curiosidade por graus e pesos. Ontem senti-me só em vindimas sem gente. Poucos tractores. Poucas descargas. Gente envelhecida de sol e idade. Ninguém quer isto. Ninguém dá valor. Ninguém sabe como tudo começa.
Fiquei ali a ver, querendo fazer parte e lembrando-me de quando fazíamos parte. Lembro-me de o Pai pintar a tina de amarelo para ser diferente. E lembro-me do articulado que fazia dele o agricultor mais excêntrico das redondezas. Deixava as engenharias e dava-se de gosto à agricultura nos fins-de-semana como se isso o tornasse um deles. Trazia métodos esquisitos do estrangeiro. Fazia culturas exóticas. Herdei-lhe os terrenos e os números de sócio dos grémios. Ontem lembrei-me dele e de como andava feliz por estas alturas de tinas cheias e filas na adega. Eu sou só estranha e poucos sabem já de quem sou filha.
Só o cheiro a engaço e mosto permanece igual. Aviva-me o passado de Outonos despontantes. Vou para casa a pé no meio do vento que me revolve os cabelos e levanta a tempestade que cairá noite dentro. É tão Outono já neste meu campo de onde todos partiram e onde eu fiquei entregue a passados presentes diferentes, dona de coisas que não são o que eram. Soube-me bem ir à adega em tempo de vindima ao fim destes anos mais que muitos. Ainda há tinas que se despejam de uvas.

22 de setembro de 2012

A melhor entrevista do fim-de-semana

Depois de um Conselho de Estado que acabou sem pedradas no charco para perpetuar a desesperança colectiva (como bem se adivinhava), uma entrevista sobre o porquê de este súbito mantra de que o nosso empobrecimento é que é solução não é, afinal, solução coisa nenhuma.
Aqui.

19 de setembro de 2012

Já está a ficar escuro

Saio do ginásio às 8.30 e já é noite. Ainda há dias precisava dos óculos escuros. E sair de manhãzinha cedo também já se faz sem sol. Já estou com saudades dos dias grandes e ainda nem é Outono.

16 de setembro de 2012

Finalmente!

Finalmente este povo de Deus deu acordo de si e levantou a voz (tenho pena que só o tenha feito quando as medidas austeras se tornaram universais e não o tenha feito no espírito solidário de quando a austeridade atingiu outros sectores - e fala quem já saiu à rua em nome dos outros).
Finalmente este povo de Deus achou que a canga está a ficar pesada demais, que não elegemos quadrilhas de gente sem sentido de nobreza no exercício de poder, que os nossos legítimos anseios estão desbaratados. Finalmente este povo de Deus achou que era tempo.
Veremos quem lhe ouviu a voz, daqueles a quem se pede que escutem.

14 de setembro de 2012

Não conseguem dourar a pílula

Por muito que se desdobrem em entrevistas pós-7 de Setembro, nem o Primeiro-Ministro nem o Ministro das Finanças conseguem vender a ideia de que as suas ideias e decisões são as mais saudáveis para o país. Perante a confusão que se sente no seio do governo e nas bancadas parlamentares, perante o desnorte e desgoverno, estes só me lembram os tempos finais de loucura e tonteria do governo Sócrates.
Não há sentido de Estado. Não há estadistas. Não há ideias. Não há capacidade de visão e, sobretudo, não há coragem ou vontade política de atacar os verdadeiros problemas do Estado, as verdadeiras gorduras celulíticas que nos puxam para baixo enquanto povo desmotivado, queixante e inoperante. O povo dos brandos costumes que mais não são do que medo do pequeno poder, medo de que venha algo ainda pior do que o pior que já está instalado.

11 de setembro de 2012

Comecei a ver a Gabriela

Foi por acaso que a apanhei num zapping. Fiquei a ver. Gostei. Decidi que vou tentar seguir esta novela. É assim uma coisa mítica de que toda a gente fala e eu nunca vi. Bem sei que o elenco não é o mesmo, que a Gabriela não é a Sónia Braga (nem achei esta actriz que faz de Gabriela nada de especial) mas gostei dos cenários, dos diálogos do sotaque daquele Brasil longe do cosmopolismo.
Depois de acabar o episódio subi à biblioteca, sabia que tinha de ter o livro algures. Tinha. Tirei-o da prateleira. Um livro com muitos anos que nem era meu e agora é porque eu herdei os livros da Mãe. Vou ler e vou ver a novela.
Lembrei-me que quando a Gabriela original passou na televisão, Portugal era um país pobre e às pessoas pouco mais restava do que ver a Sónia Braga e comentar a telenovela que se estreava nos écrãs. Estas décadas depois e Portugal está pobre e desmotivado. Talvez que ver a novela volte a ser o tempo de ausência da crise que foi nos finais de setenta.
É isso, vou ver uma telenovela.

9 de setembro de 2012

Al fresco



Sardinhada é uma coisa que só me sabe bem em casa. Melhor ainda se for na rua. E assim foi. Abri a mesa debaixo da sombra frondosa e densa da nespereira. Salada de pimento assado. Salada de tomate. Batata cozida. Pão caseiro. Sardinhas assadas. Rosé. Que mais pode um cristão querer?
O almoço fez-se tarde inteira de tempo sem pressa. Tem dias em que estes pequenos nadas se percebem como grandes privilégios. Sim, um grande privilégio.

6 de setembro de 2012

Tempo de veludo

Chego a casa tarde com o sol a querer despedir-se do dia. A temperatura está aveludada: não corre aragem, não está frio nem quente. Há poucos dias assim, perdidos entre brisas desagradáveis, o muito calor ou o muito frio. Um dia raro e não quero entrar em casa fechando a porta ao tempo. Quero aproveitar o veludo que envolve tudo. Ainda penso em trazer o jantar para a rua mas não é isso que me apetece. Apetece-me usufruir do resto do crepúsculo de outro modo. Penso em jardinar, eu que abomino jardinar. Corto pernadas indomadas da bouganvília, arranco ervas daninhas do canteiro dos cactos e desbasto o passeio de relva que o quer galgar. Faço tudo isto antes de a luz se pôr atrás do monte com o moinho no topo. Está-se tão bem na rua.
Aproveitei bem a temperatura do entardecer glorioso. Dou graças pelo jardim que mo permitiu aproveitar. Recolho a casa feliz com o trabalho que fiz, feliz por ter podido sentir nos braços descobertos, no corpo, em mim, aquele veludo que envolveu o meu campo. Amei a tarde.

3 de setembro de 2012

Missa em St. Paul's

Ir à missa de Domingo a St. Paul's não só é um privilégio como um acto de instrução. No missal lê-se que quem quiser comungar e for alérgico ao glútem, pode pedir hóstias sem o dito.
Fiquei pasma! Por um lado, estes anglicanos pensam em tudo e na comodidade dos fiéis. Ou seja, tentam que não seja algo como uma alergia alimentar que os vai demover da missa ou da comunhão. Por outro lado, pensei que hóstias sem glútem são de um preciosismo exagerado. Seja como for, sinal dos tempos, sinal de conformidade à sociedade moderna. A oficiante era uma pastora, outro sinal de uma Igreja que se quer muito mais século XXI do que a nossa Católica Romana. Enfim, missa é missa, anglicana ou católica (no caso, muito pouco no rito é diferente entre as duas confissões), mas há algo de moderno e novo (a homília sobre o caso de um jogador de futebol conhecido) que varre o anglicanismo e nos deixa a pensar no compasso de espera em que vive o Vaticano.